8ª Copa de Combatitans
Se Fabrício ainda tivesse as mãos, elas estariam suadas. Não por conta do calor infernal daquela tarde e sim pelo nervosismo. Menos uma coisa para se preocupar. Porém sua cabeça ainda estava às voltas com o desafio de enfrentar seu opositor de longa data. Agora erara tudo ou nada. Seus pensamentos focavam apenas em uma coisa: A arena lá fora.
Sua última participação não lhe permitiu chegar tão longe. Estava entre os oito melhores quando um espadachim cortou seu avanço na competição em uma derrota constrangedora. Para qualquer um com um pingo de vergonha na cara, ali seria o fim da carreira, mas para Fabrício a experiência valeu a pena e até para sua equipe que, em grande parte, nunca tinha feito um torneio tão importante.
Os membros da equipe iam e vinham como formigas operárias em um intricado sistema de colaboração, revisando cada detalhe para a disputa. A maioria deles eram especialistas da Pro-titan. Apenas três faziam parte do seu antigo grupo de suporte. Estavam juntos desde o início da copa e agora já funcionavam como engrenagens reguladas.
Os displays espalhados pela sala mostravam os mesmos índices sem qualquer anormalidade. Tudo pronto para a decisão. Ainda assim o nervosismo não o deixava pensar em outra coisa. Seus olhos apontavam para o titan parado no centro de tudo, mas seus pensamentos viam outras coisas.
— Você pronto? — perguntou Gerardi Mascarenhas, representante da Pro-titan.
— Certeza. Só estou esperando a hora do show — rebateu Fabrício para o homem de terno. Gerardi ficou parado no meio da área reservada para a equipe, observando o titreinador. Não deixaria o homem e os interesses da empresa derrubar sua posição. Ao menor sinal de dúvida, eles tentariam suprimir sua opinião e tomar a frente durante a luta. Se não fosse pela sua última experiência não aceitaria o acordo com a Pro-titan. O contrato trouxe muita vantagem para ele, tinha que admitir, mas não pretendia ceder seu espaço de destaque para os interesseiros. Todo o trabalho duro estava em suas costas. Só precisava controlar a situação.
— Já verificou os parâmetros dos equipamentos?
— Você tem que parar de se preocupar demais. Está tudo como deveria estar. Nada mudou desde ontem. É só entrar lá e pegar o troféu.
Gerardi bufou, do jeito que ele esperava.
Ainda não entendia como alguém conseguia estar de terno naquela situação. O calor estava de matar. Se Fabrício fosse o representante de uma empresa de tecnologia esperando por um resultado que não dependia das próprias ações, estaria suando como uma cachoeira. Contudo, não estava em posição de falar muito da vestimenta do seu patrocinador.
Fabrício se levantou, passou as mãos pelos cabelos que caiam no rosto e esticou a lapela do colete cinza, vestido por cima do blusão de vinil.
— Eu já estou pronto. Isso é o que importa.
— Você parece muito despreocupado com a situação. Deveria estar mais focado. Prestar a atenção nos mínimos detalhes. Tem muita coisa em jogo.
— Eu sei. E já tenho tudo que preciso. Estou preocupado com o que precisa de atenção, não está vendo? Cabelo bem arrumado, roupa estilosa e até… — Fabrício ergueu o punho esquerdo e flexionou os dedos, como que testando os movimentos da mão. O implante robótico correspondeu os gestos da maneira que ele comandou. Ele observou os detalhes em arabesco sobre o metal com satisfação. O biohack, todo trabalhado no estilo de pedras de mármore, subia até os ombros, onde se ligava na carne. Considerava uma pena parte dos detalhes ficarem escondidos sobre a manga do blusão da cor do vinho. Gostou do que viu. — Tudo do jeito que vocês precisam. Terão o título para a sua marca, um titan de primeira linha e um titreinador com o rosto perfeito para representar a sua empresa no pódio. Está vendo como estou pensando nos mínimos detalhes?
Aqueles implantes nos braços eram novidade. Estava indo bem na copa nacional de Combatitan. Seu contrato com a Pro-titan ajudou até ali e as lutas estavam longe de ser impossíveis devido às peças que o patrocínio disponibilizou. Porém, alguns dias após vencer as quartas de final, algo mudou na empresa e o agente da multinacional lhe procurou com uma nova proposta. Muito melhor que a anterior. Mais dinheiro e peças topo de linha. Com elas a semifinal foi mais fácil que cortar manteiga quente. Já com o dinheiro, ele correu pra implantar um biohack. Não um qualquer, mas de qualidade, feito de titânio, e que chamasse a atenção de todos que olhassem.
— Você é confiante demais. Acho bom se esforçar para ganhar essa copa.
— Fica tranquilo. Pega uma pipoca e senta lá. O show vai começar daqui a pouco.
Gerardi mastigou alguma coisa ininteligível dentro daquelas bochechas moles de executivo e em seguida se calou.
Algum tempo depois a organização veio lhe buscar para fazer sua entrada.
Os engenheiros da equipe foram na frente. Fabrício deixou um espaço entre eles e saiu do túnel como um pop star abrindo um show. A música animou toda a arquibancada enquanto ele atravessava o cercado e se instalava no seu lado da arena. Logo atrás dele vinha seu titan Bicho Solto, carinhosamente apelidado de Caçador pelo público. O androide era pouca coisa maior que seu titreinador, porém bem mais encorpado. Usava uma blindagem nova e reforçada no exoesqueleto, graças ao investimento da Pro-titan.
Gerardi entrou junto do restante da equipe, atrás dos dois competidores e ficou por ali.
Fabrício olhou para a torcida e acenou. A algazarra dominou o lugar. Era isso que ele esperava. Inflamar os ânimos para o espetáculo. Todos nas arquibancadas ao redor do dodecágono ansiavam pela decisão do combate.
Do outro lado da arena seu desafeto já estava em posição, como seria de esperar. Todos militares. Uniformizados. Em ordem. Asseados. Tentando agradar o Capitão, ou pelo menos não fazer alguma merda e acabar passando uns dias na prisão do exército.
Enquanto aguardavam o chamado, os olhares dos dois finalistas se cruzaram. Fabrício abriu um sorriso quente para o Capitão que se limitou a aceno de cabeça sem qualquer tempero. Tal resposta o fez explodir em gargalhadas.
A voz do narrador chamou pelas caixas de som:
— Senhoras e Senhores, sejam bem-vindos à final da Copa Nacional de combate de titans. Hoje descobriremos qual é o titan mais habilidoso e que vai se tornar o campeão nacional.
O apresentador não estava sobre o ringue e nem em parte alguma. Na certa acompanhava tudo da sala de impressa, através de telões com diversos ângulos captados pelas câmeras e drones.
— No corner amarelo: medindo um metro e noventa e quatro; pesando setecentos e trinta e sete quilos com a motriz gravitacional desligada; usando o padrão da camuflagem de selva das Forças Armadas; o representante da indústria bélica e do Exército: o condecorado, Soldado Baêta. Atuando sob o comando do Capitão do Exército: Mariano. Esses dois provaram que os equipamentos militares têm seu valor.
A torcida se manifestou repartida em comemorações e vaias enquanto o titan do exército subia os degraus para o ringue. Os militares permaneceram em forma, atrás do corner. Mariano era o único que diferia dos demais em seu uniforme de gala, decorado com os sutaches, as patentes e diversos brevês. Como aquela não era uma cerimônia oficial, o Capitão dispensou o uso do quepe.
— E no corner verde, medindo um metro e oitenta e cinco; pesando seiscentos e quarenta e um quilos com a motriz desligada; usando sua armadura de festa nas cores vinho e chumbo, temos ele, o elegante: “Bicho Solto”, Caçador. Guiado pela habilidade do treinador, Fabrício. Será que sua malícia será suficiente pra faturar esse título?
Fabrício admirou seu titan, uma cópia espelhada de si. Até a pintura do robô imitava o padrão de seu colete cinza chumbo encimando o blusão de vinil cor de vinho. A mão brilhante do treinador deu uma última alisada no exoesqueleto do Caçador, como se tirasse um cisco de poeira caído ao acaso. Em seguida o liberou para adentrar na plataforma erguida a um metro e meio do chão. O resto da sua equipe analisava os dados enviados pelo androide para seus tablets. Um deles se aproximou do titreinador com uma tela em mãos e logo foi dispensado com um aceno desinteressado.
Uma voz chamou pelo canal de áudio do seu smartgear.
— Como é que é? Vai ficar aí o dia inteiro namorando esse monte de aço? — provocou Mariano.
Fabrício ajeitou os cabelos oleosos atrás da orelha e abriu um sorriso malicioso para provocar seu oponente. Sabendo que era observado pelo seu desafeto, aproveitou para contemplar as próteses brancas como o mármore. Tinham um aspecto bem diferente dos costumeiros implantes cibernéticos da orla das megacidades. O acabamento dos membros era a prova irrefutável de um apelo estético. Ele sabia que mesmo à aquela distância, Mariano conseguia ver com clareza seus braços novos. O competidor tocou o fone em seu ouvido para responder:
— Quanta pressa. O que você pretende perder pra mim hoje além do título, Capitão?
— Você não muda mesmo. Continua sendo uma vergonha para a corporação. Sabe que eu não posso oferecer nada — rebateu Mariano, sem deixar nenhuma emoção vazar em seu rosto sisudo — O Soldado é um equipamento do exército, não meu. Além do mais, não pretendo perder pra você.
— Se está tão certo da vitória, que tal os brevês e o sutache da sua farda como prêmio? Seriam ótimos souvenirs para minha coleção. Vou usar para refrescar a memória e lembrar minha vitória nessa disputa.
— Não vou apostar nada. Até porque, você não tem nada que eu queira. Agora chega de conversa e vamos ao que interessa.
Fabrício sorriu em resposta e acionou um comando para Bicho Solto.
O titan subiu no ringue de dose lados e encarou seu oponente. Assim como a maioria dos robôs de competição, eles eram montados sobre o chassi dos robôs domésticos, New Adams. A única diferença entre as plataformas eram as peças reforçadas para lutas em torneios. Por esse motivo não eram raras as vezes em que as pessoas confundiam os robôs. Porém, os finalistas daquela disputa jamais seriam confundidos com New Adams. Não com todo aquele equipamento extra.
A barreira de contenção da arena se ergueu, envolvendo os dois androides em uma camada quase imperceptível, em tom furta-cor. Era esse campo de força que garantia a segurança durante o embate. Baêta apontou o canhão sobre o ombro na direção do adversário. O cano da arma tinha uma boca grande o suficiente para passar um punho. Sem demora, o Caçador também fechou a guarda.
— Você tem que se desapegar do passado e focar um pouco mais no futuro. — Fabrício revirou a mão no ar como se embolasse uma esfera de vento. — Só pensar no exército e na corporação não vai te levar a lugar nenhum. Assim que abri meus olhos, abandonei todas essas amarras e foquei nas oportunidades certas e que me garantiriam um futuro muito mais promissor.
— Humpf. Vocês são todos iguais quando ainda são novos. Adoram desperdiçar a vida com devaneios. O que me conforta é que um dia vocês vão envelhecer e talvez coloquem alguma coisa de valha a pena na cabeça. Pena que nem todos conseguem envelhecer. Não é mesmo?
A voz do locutor chamou de novo, interrompendo as provocações:
— Qual deles vai faturar o título de campeão da Copa e o reconhecimento de ser o melhor titan de combate do país? O Super Soldado, equipado com a tecnologia de ponta do Exército Nacional ou o Caçador, munido das últimas inovações disponíveis no mercado? Isso nós vamos descobrir agora. Que comece o Combatitan!
Antes que alguém piscasse, os titans se atacaram.
— Soldado, use o canhão de plasma! — comandou Mariano de imediato.
O titan obedeceu de imediato e disparou uma esfera luminosa pelo canhão, no opoente. Bicho Solto corria em sua direção e já estava na metade do caminho entre eles quando o projétil ricocheteou no seu ombro sem muito efeito. Fabrício sorriu ao ver a eficiência da blindagem da Pro-titan, reforçada com campo eletromagnético. Só precisava evitar os disparos diretos e tudo ficaria bem para eles.
Com apenas um comando no smartgear, um par de cassetetes elétricos saltou na cintura do Caçador. O movimento durou apenas um segundo: os objetos apontaram para fora da armadura e o androide os apanhou enquanto corria. Sem deixar uma brecha para o militar acerta-lo outra vez, o titan cinza iniciou uma série de golpes. Tanta agilidade surpreendeu a torcida, gerando uma comemoração explosiva.
A investida fazia seu estrago quando um soco de direita acertou o titan de Fabrício e o derrubou no chão.
Fabrício não se importou com a queda e manteve a pose de soberba. Para ele não era complicado fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
— Caçador, use o cassetete para acabar com o canhão deles e eliminar o perigo — comandou Fabrício sem precisar alterar o tom de voz.
O titan com pinta de playboy cumpriu a ordem de imediato, pondo-se de pé com o cassetete erguido para retomar o ataque. Os titans de combate não perderam tempo e se atracaram de novo.
Muitas empresas aplicavam investimentos milionários nas plataformas que participavam das competições em alto nível. Esperavam respostas instantâneas para cada ordem dada. Isso se refletia nas disputas que pareciam com qualquer outro esporte de luta praticado por humanos e não por robôs desengonçados.
Caçador partiu para cima do Soldado enquanto ele acumulava energia para mais uma descarga de energia do canhão.
— Mantenha-o afastado e dispare com potência máxima para acabar logo com eles, Soldado! — A voz do Capitão era firme. Mantinha a indiferença, mesmo com a plateia vibrante desejando mais emoção.
Conforme os golpes vinham, Baêta recuava. Afastava-se pouco a pouco para evitar a haste metálica cortando o ar em sua direção. A cada esquiva do titan ele ganhava mais tempo enquanto sua arma acumulava energia. Seu equipamento ganhou brilho e algo tomou forma dentro do cano.
De repente, os dois titreinadores gritaram em uníssono:
— Agora!!
O Caçador investiu e enterrou o cassetete elétrico na boca do canhão, impedindo o disparo. Sem ter uma saída, o plasma explodiu dentro do cano. A onda de choque gerou um clarão dentro do dodecágono.
Nas arquibancadas a torcida estava dividida, clamando seu favoritismo a plenos pulmões.
Fabrício aproveitou a oportunidade para ativar um comando no controle holográfico do seu smartgear. O movimento já estava preparado antes da explosão e ele só aguardou o momento certo para pressionar o botão. Quando a confusão gerada pelo flash se desfez, seu titan havia desaparecido do ringue.
O Soldado se levantou e procurou seu oponente.
— Libere essa arma — ordenou Mariano, com cara de poucos amigos. — Agora que tem essa coisa agarrada ao canhão ele é inútil. — O equipamento se desprendeu do ombro do titan e caiu na arena com um baque metálico.
A satisfação explodiu no peito de Fabrício de tal forma que era impossível conter o riso em sua boca cheia de dentes.
— Vai Mariano, diz pra mim como pretende lutar contra aquilo que não pode ver? Acho que a brincadeira acabou pra vocês.
Um engenhei da equipe do exército se aproximou do Capitão com uma tela cheia de leituras do sistema. Mariano o ignorou com sucesso. Sua concentração estava presa dentro da arena e seu espírito não se abalara. Uma curva em forma de gancho se abriu no cano da boca.
— Como você é ingênuo, Fabrício. Achou mesmo que um robô militar não teria um sistema anticamuflagem? Meu Soldado pode ver perfeitamente onde seu brinquedo está escondido. Avante Soldado, abrir fogo!
O entusiasmo do galã fraquejou quando o militar sacou uma pistola de dentro da coxa e atirou contra o espaço vazio. Pequenos flashes pipocavam no meio da arena, conforme atingiam o corpo do titan invisível, demonstrando sua posição. Seu corpo ainda estava translucido, porém, um contorno borrado se tornou cada vez mais aparente. Sem perder tempo Fabrício mudou o andamento da luta.
— Bicho Solto, responda fogo com fogo. — As ordens acompanhavam os comandos dados no smartgear embutido na sua mão mecânica. Ali estavam armazenadas as instruções e as táticas de combate para coordenar toda a luta.
A silhueta furtiva se moveu e revelou um borrão se esquivando dos ataques da pistola. Em seguida Bicho Solto respondeu com rajadas de plasma.
Baêta disparava descargas amarelas do tamanho de bolas de tênis e o vulto quase invisível respondia com frenéticas esferas iguais a bolas de ping-pong em tom rosa-choque. A diferença era óbvia, mas Fabrício estava alcançando a vantagem aos poucos graças ao grande volume de disparos.
— Acaba logo com essa enrolação, Soldado. Ataque com o meia dinamite — comandou Mariano para o relógio em seu pulso.
O soldado guardou a pistola de volta dentro da coxa e avançou com um soco carregado de esquerda. Conforme a energia se acumulava, a mão do titan ganhava mais brilho. Toda a torcida ficou atônita quando o impacto arremessou o titan invisível no chão. Sua submetralhadora rolou pela arena e até a invisibilidade desligou.
A luta caminhava para o fim e Fabrício não pretendia abrir mão do título e de todo o resto que vinha para o vencedor. Sem perder tempo, o Capitão bradou para o seu titan:
— Não deixe o se recuperar. Acabe com ele enquanto ainda está caído.
— Vamos lá, Bicho Solto. Acorda e arrebenta a cara desse idiota de uma vez — respondeu Fabrício sem se abalar.
Caçador obedeceu de imediato.
Baêta avançou com a guarda erguida e recebeu um direto bem no meio do peito. O golpe tirou seu equilíbrio e o fez recuar. Retomando a investida, o ritmo da luta aumentou com a intensa troca de golpes: Bicho Solto levou um murro na cara e respondeu com um gancho na barriga. O seu jab atingiu o punho do oponente e recebeu uma cabeçada como resposta.
Cada ataque levava a plateia ao delírio.
Caçador levava uma enxurrada de socos, mas percebeu o cruzado do militar e esquivou como um pêndulo, deixando apenas o ar no caminho do punho.
Aquele desvio deu a brecha perfeita pro Bicho Solto explorar. Ele despejou uma rápida sequência de socos e joelhadas para suprimir o ataque do adversário. O impacto dos golpes fazia o soldado recuar mais e mais. A multidão gritava com cada movimento. O militar não acompanhava mais o ritmo. Seus braços chegavam atrasados nas investidas e ele parecia desorientado. Um chute forte no plexo solar o deixou de joelhos à espera do seu desfecho.
— Bicho Solto, finaliza ele e vamos levar o prêmio para casa — ordenou Fabrício com o sorriso marcante escancarado pela vitória eminente. Seu titan saltou sobre o adversário com mais um ataque com endereço certo, pronto para finalizar a luta.
— Super dinamite — gritou Mariano do outro lado da arena.
Todos no estádio se ergueram ao ouvir o estrondo metálico do impacto.
Baêta estava de pé no meio da arena após interceptar o Caçador em pleno ar com o golpe Super dinamite. A força do direto gerou um flash no dodecágono e lançou o playboy contra uma das pilastras do campo de força. O militar permaneceu de guarda, apontando o punho esquerdo para o oponente caído.
Gerardi Mascarenhas encostou logo atrás de Fabrício. Sua voz era gelo puro:
— Faz alguma coisa e rápido. Se perdermos essa final, você está acabado, sujeito!
O titreinador sentiu as palavras como uma cutucada em seu ego.
Do outro lado da arena, algo parecido com alegria lampejou no rosto do Capitão no momento em que deu a última ordem:
— Soldado, abrir fogo!
Baêta sacou a pistola de dentro da sua coxa em um movimento muito rápido para um robô daquele tamanho. Quando efetuou o primeiro disparo o Caçador já estava de pé. O segundo disparo errou o alvo, executando um rolamento no chão. Em simultâneo com o terceiro tiro, veio o disparo de um Taser. Um dos contatos pegou no pescoço, o outro foi no queixo e o último acertou a bochecha direita.
Bicho Solto segurou o gatilho durante dois segundos enquanto a corrente elétrica transpassava o corpo do militar. Quando soltou o dedo do equipamento, Baêta tombou para trás completamente desligado. A luta havia terminado.
A torcida foi ao delírio, comemorando.
— Caçador! Caçador! Caçador! — entoavam.
— Você achou mesmo que eu ia dar mole pra você? — indagou Fabrício, com o sorriso brilhando mais que nunca e os braços roliços cruzados sobre o peito. Dentro da arena seu titan desativou as armas e recolheu os cabos do Taser.
— Dessa vez você ganhou, mas não vai ser tão fácil da próxima — rebateu o Capitão, dando as costas ao dodecágono. — Um dia ainda vai se arrepender de abandonar as forças armadas.
Dentro do ringue, um membro da organização aguardava a chegada do campeão para entregar a taça do título, uma peça dourada de um metro de cumprimento encimada pelo torço de um titan exibindo os músculos de aço. Fabrício subiu no dodecágono como se desfilasse em uma passarela. Sua cabeleira balançava a cada passo, além de arremessar beijos para os torcedores. Ainda não acreditava no que tinha acabado de alcançar através daquela vitória. Ao chegar ao centro ele apanhou o microfone e se dirigiu ao público com a voz mais encorpada:
— Eu fico feliz de produzir esse espetáculo para vocês. Foi bastante custoso e nós, junto da Pro-titan, lutamos muito para alcançar esse sucesso. O nível das lutas dos torneios customizados está muito elevado, mas conseguimos superar isso. Foi preciso se esforçar bastante para estar pelo menos aos pés dos competidores dessa final. Agora que eu e o Caçador estamos no topo vamos vai ser difícil para qualquer um nos derrubar. Obrigado pessoal.
Fabrício deixou a arquibancada com a comemoração da plateia ao fundo. Tinha o seu titan e seu troféu. Naquele momento aquilo era tudo o que importava. Atravessou as instalações e retornou para a sala onde ele e sua equipe se prepararam para o confronto da final. Caçador parou em um canto e permaneceu estático diante de seu titreinador.
Gerardi entrou no cômodo logo após eles fazendo questão chamar atenção para sua presença com um resmungar comemorativo. O campeão o avistou e sorriu com desdém.
— Foi uma grande luta. Ainda bem que tudo deu certo.
— E você enchendo o saco, achando que eu não conseguiria — disse Fabrício sorrindo. Sabia o que estava fazendo desde o início e não deixaria um gordo, burocrata, que só entendia de números, passar por cima dele. Muito menos diminuir sua conquista. — Estava tudo sobre controle. Eu falei pra você. Só relaxa e deixa comigo que eu dou o espetáculo completo que a Pro-titan precisa. — Ele se aproximou com a mão aberta na direção de Gerardi. — Sua empresa tem o título, um titan de primeira linha e um ro….
A voz do titreinador morreu no momento em que uma força invencível puxou seus braços para o baixo. Ele despencou sobre o joelho, lutando para não estatelar a cara no piso.
— Eu te disse. Você é confiante demais. Acha que tem tudo sobre controle, mas não sabe de nada. Quase perdeu o combate por pura vaidade. Gosta de ficar se exibindo e por isso corre riscos à toa. Não precisava de sustos. Era só vencer a luta e pronto. — As pupilas de Gerardi se tornaram azuis, como duas gemas dentro do castanho. — Foi para isso que te arrumamos um contrato melhor. Sem a Pro-titan você é só mais um na multidão.
Fabrício fez força para se levantar, mas seu biohack continuava preso ao chão. Sua vontade era de arrebentar a cara mole de Gerardi e faze-lo engolir cada palavra. Trincou os dentes e até grunhiu, conforme fazia mais força para se levantar. Os nervos ligados ao implante doeram como se fossem arrebentar a qualquer momento. Sua raiva ganhava cada vez mais força enquanto tentava descobrir como foi que aquele velho idiota conseguiu fazer aquilo com seus biohacks novos.
— Nós lhe demos o dinheiro e as peças que precisava para vencer. Tudo que precisava fazer era obedecer. Sua exibição quase nos custou a vitória. Você não foi pago para isso. Você não passa de um fantoche que segue tudo que a mão enfiada no seu rabo mandar. É bom aprender seu lugar e ficar agradecido pela oportunidade que lhe demos de sair da insignificância. Sua vida medíocre pode acabar em um piscar de olhos. Pode ser amanhã ou no mês que vem.
Uma dor fantasma invadiu Fabrício e seu corpo queimou por dentro. Até seus braços de titânio doíam. Um gosto amargo se tomou conta dele. Estava refém, indiferente de quanta força fizesse, continuava de joelhos e imóvel no chão. Gerardi o mirava com seu olhar azul.
— Não precisa nos odiar. Só… tenha mais respeito e aprenda a obedecer às ordens que lhe dão. — Os olhos de Gerardi perderam o brilho azul e os braços de Fabrício ficaram leves outra vez. — Agora vá comemorar sua vitória. A propósito, pense com cuidado o que fará com o dinheiro do prémio e com o que te restou do nosso contrato. É tudo que te sobrou e nós não temos interesse em renovar.
Gerardi se retirou da sala, deixando o homem e o androide sozinhos.
Fabrício se ergueu sem dificuldades, porém grande parte de sua determinação tinha se esvaído junto de seu espírito festeiro. Ele encarou as mãos de metal, buscando uma resposta. Como alguém tão…. como ele conseguiu controlar seu corpo?
O campeão permaneceu sozinho com sua máquina, remoendo aquilo tudo enquanto a raiva diminuía. Aquela reação de Gerardi o pegou de surpresa. O que mais ele conseguiria fazer? Foi graças ao biohack, era óbvio. Quem mais conseguiria acessar os controles do seu corpo, agora que tinha esses implantes?
— Vou precisar ver isso. Talvez em outra hora. Por enquanto eu preciso aproveitar.
De alguma forma, lá no fundo ainda havia um fragmento de alegria. Acabara de ganhar a final da 8ª Copa Nacional de Combatitans. E mesmo que as coisas não fossem exatamente como ele imaginou, era melhor do que nada. Veria essas coisas menos importantes em outra hora.
Agradecimentos
Caros leitores. Muito obrigado por ter ficado comigo até aqui e espero de coração que tenha aproveitado este conto representando um pequeno episódio da carreira de Fabrício durante a 8ª Copa nacional de Combatitans. Este conto faz parte do que eu estou inclinado a chamar de Titanverso.
É claro que como parte de um universo maior, este conto faz parte de um todo e ele é uma visão paralela de um evento que acontece logo no primeiro capítulo do meu livro Combatitan: Vida artificial.
A ideia aqui era mostrar o ponto de vista de um competido profissional e as sombrias interações entre os Titreinadores independentes e as grandes empresas enquanto enfrentam toda a pressão de uma competição de alto nível. Claro que Ari, protagonista do livro Combatitan não terá esse tipo de cobrança, uma vez que não tem uma empresa patrocinadora, porém sua dificuldade está em ter que enfrentar todas as dificuldades deste cenário sozinho.
Quero te pedir, se possível for, para dar uma força e deixar também uma avaliação positiva neste conto lá no wattpad. Não vai demorar nada. Só entrar logado no site e curtir os dois capítulos.
Para quem é escritor, ou um apreciador da literatura, gostaria de recomendar minha análise das técnicas literárias usadas por George R. R. Martim em seu primeiro livro d’As Crônicas de Gelo e Fogo. O Famoso Game of Thrones.
Espero que tenha curtido e que volte mais vezes para os próximos conteúdos. Me siga nas redes sociais: Facebook e Instagram. Sempre anuncio lá meus novos trabalhos.


